quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Um bloguista a descobrir- RP


Ser humano

Se na entrada anterior achei que pouco tinha escrito, então muito menos tenho escrito desde então. São várias as razões que me levaram a deixar, por sua conta, este blog. Não o abandonei. Apenas, enquanto andava “por aí”, os meus caminhos não se cruzaram com ele. Vontade para que tal acontecesse não faltou. Mas apesar de um bom começo para alguma coisa, a vontade de algo, por si só, não serve de nada. Não é nada.

Por outro lado, quando associada a uma pessoa particularmente pouco apática, a vontade pode transformar-se numa num dos mais poderosos catalizadores da concretização humana.

Mas não é da vontade, por si só, que venho aqui falar hoje. É daquele pálido intermédio que está entre a vontade e a acção. Intermédio que pode ocorrer numa fracção de segundo, quase que inconsciente, como pode demorar horas, dias, anos até que algo aconteça. Se é que acontece. Falo, naturalmente, da decisão.

A decisão dota o decisor de responsabilidade. É ela que concretiza a vontade ou a remete para um limbo de “no passa nada”. Responsabilidade porque se fez ou porque se deixou de fazer. E tudo seria cor-de-rosa se apenas assim fosse. Com a decisão vem, normalmente o dilema.

O dilema prende-se (ou assim deveria ser) com a ponderação de razões e projecção consequências: da vontade, da decisão e da concretização.

O dilema assenta numa análise objectiva, ética, moral, conjugação destas, de outras, ou nenhuma delas.

E é aqui que pretendia chegar. Todos nós temos os chamados de “nossos momentos”. Situações em que, através de decisões, nos demarcamos dos nossos demais. Não precisam de ser grandes decisões, ou de grande importância. Precisam apenas de o ser e, ao sê-lo, perfilam a pessoa que as tomam.

E é essencialmente através delas que as pessoas nos julgam. Aquelas que lidam connosco, que por nós desenvolvem algum interesse (seja ele pessoal, profissional, etc.), perfilam-nos, consciente ou inconscientemente, pelo que fazemos, e não tanto pelo que e como o dizemos.

Para mim, antes dos outros, sou eu mesmo que me perfilo pelo que faço. E é pelo que acabo por fazer que me orgulho de mim mesmo. Ou, por outro lado, me envergonho aos olhos de todos e aos meus. E esta vergonha, antes de ser pelo julgamento de terceiros, é consequência de minha consciência.

A consciência tem um papel directo no processo de decisão. Ela, com voz forte ou sussurrante, tem razão na quase a totalidade das vezes.

E quando vamos contra o seu sábio concelho, temos a culpa, o desconforto, a vergonha, o vexame. Nem que seja, de nós para nós próprios.

Por vezes, estes sentimentos são diluídos por circunstâncias, por ocasiões, por medos, por sentimentos raiva ou desespero. Um conjunto de situações que nos fazem “minimizar o erro” e considera-lo como uma hipótese exequível e de pouca ou nenhuma consequência. Porque não se nota, porque não se vê, porque não se sabe ou simplesmente porque nos estamos nas tintas.

Mas o erro não é minimizado. Muito menos desaparece. E depois do erro, vem a mentira (e suas variantes sociais), que cobre a culpa como um leve e transparente véu, que faz com que tudo pareça como se nada tivesse acontecido. Mas, como todos, pode passar despercebido ao primeiro, ao segundo e até mesmo ao terceiro olhar despreocupado. Mas, mais cedo ao mais tarde, ele é descoberto e vai cair. E quando isso acontecer, a verdade vai mostrar o quadro como ele realmente foi pintado, mostrando as faces de Dorian Gray velhas, ressequidas, pálidas e quase mortas.

E por ter ficado assim, velho, cheio de rugas, em muitas situações na minha vida, que sei o quanto custa fazer “a coisa certa”. Seja porque deixamos o doce aroma da decisão errada nos ludibriar a consciência, seja porque um grito de dor, raiva e vingança nos ofusca a visão, seja por ambos ou nenhum deles. Seja porque razão for, eu sei o quão difícil é fazer a coisa certa. Ou melhor, não fazer a errada.

E à noite, quando me deito, e estou apenas comigo, com tudo o que fiz, o que não fiz e o que devia ter feito, eu tenho a certeza de por quem, um dia, os sinos vão dobrar.


Ricardo Pascoal in ... e vinho verde

2 comentários:

Black Cat disse...

a bisitar, sem dubida"!

X disse...

Sem dúvida nenhuma.